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do que falamos quando falamos do véu

Novembro 24, 2018

A comediante Cátia Domingues possui uma rubrica no canal Q que consiste em responder a comentários caricatos ( dentro de um espectro já conhecido, que vai da ignorância ao discurso de ódio) de alguma notícia. A última edição analisava em paralelo duas notícias da passada semana, que não pude deixar de apresentá-las no blog: A primeira tratava-se de uma jovem muçulmana  que em Espanha se viu forçada a mudar de escola, pela instituição considerar que o uso do hijab é contrário aos seus regulamentos (https://observador.pt/2018/11/16/escola-proibe-crianca-de-utilizar-veu-islamico-em-espanha/ ), e a segunda falava de uma blogger que foi impedida de entrar no Louvre devido ao seu decote. Estas notícias lado a lado são uma expressão interessante do que a antropóloga Angeles Ramirez tem vindo a argumentar no seu trabalho La trampa del Velo: que as políticas europeias de proibição de símbolos religiosos no espaço público, confiando no fundamentalismo laico para combater o fundamentalismo islâmico, e na democracia ocidental para libertar à força as mulheres muçulmanas do “jugo” do véu, são menos sobre preocupações securitárias, liberdade e secularismo, e mais sobre o controlo dos corpos femininos.

Uma ferramenta valiosa do patriarcado é a alienação da mulher do seu próprio corpo- deixando-o por isso à mercê de uma censura cultural moldada por valores machistas. Essa censura tem consequências reais ( como ser impedida de estudar ou entrar num museu), e pode cristalizar-se nas normas do Estado. Aqui podemos pegar nos países que proíbem o uso do véu, e os que o instituem como obrigatório para observar que apesar das bandeiras antagónicas, a raíz das políticas é a mesma (com as devidas justificações de ordem metafísica diferenciadas), e é por isso que Ramirez nos adverte sobre a “armadilha do véu”.  Esta tende a esconder uma questão mais profunda: a da regulamentação estatal de corpos ( subordinados) como tecnologia de reprodução do poder e valores.  No caso das mulheres muçulmanas em solo francês, belga, holandês, ou outro país europeu que proíba o uso do véu, os seus corpos revestem-se de uma dupla identidade subalterna: como sujeitos femininos e  como sujeitos coloniais.

Esta realidade não é encarada de maneira passiva, e não é por acaso que assistimos a um movimento de “hijabização” por um lado, mas também a movimentos que desafiam o uso compulsório do hijab, por exemplo no Irão ( como a campanha My Stealthy Freedom https://pt-br.facebook.com/StealthyFreedom/ ).O ponto é: estes movimentos são protagonizados por mulheres, contra as normas patriarcais impostas pelas estruturas que estas enfrentam. A dominação sobre as mulheres ( com lenço ou sem) é dominação sobre as mulheres. E as mulheres ( com lenço ou sem) resistem contra ela.

(Bea)

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