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“Élite”- um passo a caminho da representação?

Dezembro 14, 2018

No dia 5 de outubro deste ano, a plataforma da Netflix em Espanha apresentou uma nova série destinado ao público adolescente e jovem adulto. “Élite” tem todos os ingredientes de uma série adolescente: o ambiente escolar do secundário (retrata o ambiente escolar mais caro de espanha, Las Encinas), os dramas e intrigas adolescentes, as drogas, o sexo e o bónus de um suspense de um assassinato e a abordagem de temas como o poliamor, a SIDA e a homossexualidade (abordagem em crescimento em quase todos os elementos culturais), tudo isto originário de um choque entre uma elite de jovens ricos com três adolescentes de backgrounds diferentes, étnicos, religiosos e socioeconómicos.

E apesar destes assuntos merecerem a sua devida atenção e salva de palmas, considero que o verdadeiro pioneiro seja a introdução da vivência de uma família muçulmana na sociedade espanhola – uma novidade no entretenimento e nos roteiros espanhóis, pelo menos nesta dimensão de série “sucesso” e juvenil.

São os Shanaa, de origem palestina, donos de uma mercearia local, e os filhos Nadia e Omar são as personagens com mais destaque, precisamente. Nadia é a típica aluna esforçada, ambiciosa, filha querida e obediente dos pais. A atriz que a interpreta, Mina El Hammani (de descendência marroquina, ao que os produtores acertaram em cheio ao não cair no erro comum do whitewashing ao escolher uma atriz de ar “étnico”) que a caracteriza como reservada e contida por um lado – mas que no final da série se rebelia contra o pai, quando este a proíbe de continuar a frequentar Las Encinas devido à proibição do uso do hijab, e a mesma persiste em continuar a frequentar a escola. Logo no primeiro episódio, perante um aviso espontâneo da diretora (por acusações dos novos colegas, em particular da sua aqui-inimiga na série) é obrigada a ponderar: ou retira o hijab ou é expulsa do colégio, pelo que acaba por retirá-lo durante as aulas e usá-lo no resto do dia-a-dia e principalmente na companhia de estranhos – deste modo, será sensível fazer algum julgamento acerca desta decisão dos roteiristas na abordagem do hijab e do seu uso, pela origem das personagem? ou se é uma afirmação gritante de que não é a vossa discriminação que me vai impedir de ter um lugar aqui? ((https://www.youtube.com/watch?v=_fMPN2NH26I)

Com o selo de aprovação da atriz que dá vida a Nadia, a construção psicológica da personagem é de notar: também é dotada de defeitos. Nadia também julga, também é preconceituosa, também mente, também magoa os sentimentos das outras personagens, também é egoísta, também é um ser humano – em contraposição a um paradigma feminino islâmico retratado (quando o é) de prudência, sensatez.

Omar, o irmão mais velho, também estuda, é um bom menino, “segue o Corão” diz o pai ao apresentá-lo aos pais da futura noiva, situação que Omar que não vê com qualquer tipo de entusiasmo. Não por se tratar da precocidade do casamento,  mas por se tratar das personagens homossexuais, a única homossexual muçulmana, e por ter uma relação amorosa secreta com um dos colegas de Nadia, Ander. Aliado ao facto de que Omar está dentro do tráfico de droga, que segundo o ator que lhe dá vida, Omar Ayuso, “porque quer ter a vida que sente que deve ter, aquela que sabe que não vai ser bem aceite pelos pais, não por puro gangsterismo, mas porque sabe que uma vida fora de casa é a solução. É uma tentativa de Omar quebrar com os estigmas feitos pelos valores religiosos e familiares, em relação à sua sexualidade mesmo que saiba que tenha de viver com isso.”

É facto de que “Élite” não é a primeira série a abordar a adolescência muçulmana em países europeus – “Skam”, série norueguesa, foi uma das pioneiras com Sana Bakkoush, uma rapariga muçulmana que se crê uma “uma falhada por ser uma rapariga muçulmana num país sem fé.” Sana é sobretudo emblemática pela maneira que nos faz refletir acerca de temas como ódio, religião, julgamento, como que assumindo a forma de personagem-vinculo de mensagens relevantes para o público mais jovem.

O propósito do post não é fazer uma apreciação crítica ou pessoal acerca das personagens – quanto muito das séries – sendo apenas com o intuito de dar a conhecer uma aposta significativa (comparativamente ao passado da indústria) na introdução de realidades islâmicas ainda em seguimento da questão da crescente presença muçulmana na Europa e em Portugal, últimos temas abordados no plano da cadeira. As questões que se põem são as seguintes: será uma verdadeira preocupação pela falta de representação destas realidades previamente restritas, negligenciadas? Um movimento politicamente correto, de forma a eliminar estigmas passados? Uma tentativa de incluir o público mais jovem em novas conversas?

Sem mais, sugiro a todos a vermos estas produções e estar particularmente atentos aos ambientes, situações em que estas personagens são postas à prova para podermos fazer uma conclusão por nós próprios.

(Joana Simões)

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